Richard Morse

Para onde vão as civilizações?

Sabático é tempo de revisitar o que andava guardado, e que passou rápido demais. Por estes dias, andei folheando o livro de Beatriz Helena Domingues sobre Richard Morse, lançado há dois anos. Eu tive o prazer de escrever a orelha, que reproduzo abaixo. O livro me leva a pensar: o que fazer das grandes perguntas sobre o rumo das civilizações, quando o que chamamos de civilização parece ir para o buraco? É engraçado: os termos de Morse são mais que nunca datados, assim como sua posição no debate historiográfico é impensável hoje em dia. Quem, em sã consciência, se põe a falar de grandes linhas civilizacionais, que atravessam os séculos e chegam até nós? E quem ainda é capaz de imaginar que o Brasil, a América Latina e o Caribe possuiriam uma espécie de lição às avessas a ensinar para o grande irmão do norte? Mas exatamente porque estão fora de cogitação, talvez seja tempo de olhar com carinho para essas questões que parecem fora de lugar. Salve Morse! E obrigado, Bia, pelo belo livro!

Richard Morse entre os Estados Unidos e o Brasil, Editora UFJF, 2017.

Fundamental para quem se interessa por Richard Morse (1922-2001), este livro traz um espelho dentro de outro espelho.

Desde a publicação de O espelho de Próspero, na década de 1980, sabe-se que o grande historiador norte-americano trabalhou com a metáfora especular. No entanto, podemos imaginar — especialmente agora, com o livro de Beatriz Domingues nas mãos — que o espelho atravessa toda a sua obra. Quando ele se refere ao Brasil, ou à América Latina, ou mesmo ao Caribe, é nos Estados Unidos que está também pensando. Mas não se trata de uma relação bipolar, como se uma região simplesmente se opusesse a outra. Sua visão é ampla, agônica, e tenta compreender por que os laços comunitários se afrouxam na aventura “ocidental” em que estamos todos embarcados.

Um espelho dentro do espelho: o grande laboratório social norte-americano, que fora desvelado pelo olhar estrangeiro de Tocqueville, torna-se um poderoso referente na obra de Morse. Ao olhar para a experiência dos países latino-americanos, para suas cidades e para a complexa formação de um espaço comum, ele se pergunta pelo cotidiano esvaziado de sentido, atomizado e opaco que vê prevalecer em sua terra natal.

A América Latina é um repositório de valores perdidos, ou é o terreno em que se elaboram configurações alternativas do corpo social? Pode o tomismo, com suas raízes medievais, ser atual? O que o Sul tem a dizer ao Norte? O espelho é uma forma de pensamento? O que o desenvolvimento histórico, na sua longa duração, reserva a cada um de nós? É permitido ao historiador espiar o futuro? E o que a literatura lhe ensina?

Estas e muitas outras perguntas pulsam neste livro, que é ao mesmo tempo uma homenagem e um mapa de um dos pensamentos mais polêmicos e ousados do assim chamado latino-americanismo.

Richard Morse entre os Estados Unidos e o Brasilpassa a ser leitura obrigatória para quem pretende entender o que há dentro de um espelho, para além de nós mesmos.

Pedro Meira Monteiro (Princeton University)

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