O texto seguinte, com poucas alterações, foi publicado na Ilustrada da Folha de S.Paulo em 26 de novembro último, sob o título “‘Bizarro’ é ponto de contato de novos autores, reunidos em boa coletânea.” Trata-se de um comentário sobre Geração Zero Zero:
As coletâneas organizadas por Nelson de Oliveira já nascem meio clássicas e por isso mesmo fazem barulho. O instantâneo que elas fornecem é fundamental para testar o fôlego da ficção contemporânea. Sem dar-se ao deslumbre do “definitivo”, assumem o risco de ser o que são: parciais, incompletas, mas também saborosas, com altos e baixos em que o leitor vai experimentar seu próprio gosto.
Geração Zero Zero reúne pequenas narrativas de vinte e um autores brasileiros que começaram a publicar na última década. Vem somar-se a dois livros anteriores, dedicados à “Geração Noventa” (ambos pela Boitempo), e confirma que os meios digitais ainda não produziram uma mudança qualitativa na prosa. Talvez se possa dizer que os blogs e a escrita em rede sequer arranharam a fantasia de um sujeito inteiro. Vivo ou morto, lá está o autor, equilibrando-se para sustentar uma voz que os melhores contos desta coletânea revelam. A grande virtude de Geração Zero Zero é o convite à leitura, e a possibilidade de descobrir autores novos.
É um livro que se pode ler de mil maneiras: aos poucos, com ou sem ordem. De uma perspectiva crítica, sente-se uma tensão entre narradores que se filiam a uma escrita rente ao real, e aqueles que se deixam flertar pela lírica, que é uma forma de revelação momentânea do sentido. O organizador sugere que o “bizarro” seja um ponto de contato entre todos eles, como se o nonsense ameaçasse tomar conta do mundo e os escritores fossem, muitas vezes, os narradores da própria perda do sentido.
É verdade. Mas não é menos verdade que alguns dos momentos mais altos de Geração Zero Zero são breves respostas à falta de sentido. Sirvam como exemplo os “postais do abismo”, do pernambucano Walther Moreira Santos, e o magnífico conto do paulistano Santiago Nazarian, “Eu sou a menina deste navio”.
Ler este livro dá a sensação de que os autores de hoje se batem com a secura e a bizarria de uma espécie de ultra-realismo (que faz pensar num Rubem Fonseca), embora por vezes deixem escapar, em meio à aridez da paisagem predominantemente urbana, pequenas iluminações líricas (que lembram um João Antônio). Não se trata de esgotar a verve narrativa de hoje nos modelos de ontem, mas o fato é que a lírica fornece uma saída fugaz e precária para a angústia provocada pelo nonsense de um mundo sem saída. Ou então, como no caso notável do senso dramático da escritora gaúcha Veronica Stigger, não há mesmo saída alguma, e ficamos tontos diante de uma mancha que é a da nossa condição miserável.
Curiosamente, para vários destes novos autores, a “miséria” não é apenas a pobreza econômica. Em tempos relativamente eufóricos como o nosso, a pobreza da alma existe e persiste. Passada a primeira década do século XXI, a literatura brasileira talvez nos lembre que o arranque econômico e a retomada do “crescimento” são afinal uma enorme fantasia, e que a solidão e o esfacelamento do sujeito são ainda o grande e inescapável tema de seus narradores.
1 Comment
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não há saída. nem para quem não está.