It might get loud
“It might get loud” é o que diz Jimmy Page – com um sorriso no rosto e um plug na mão – a certa altura do magnífico documentário de Davis Guggenheim, que se desenrola a partir do encontro de Page, The Edge e Jack White.
O encontro é supimpa, não apenas pela alta música que dele resulta, mas pelo deslavado elogio da guitarra elétrica. O documentário é uma apologia da guitarra: seus timbres, suas texturas, suas formas e, é claro, os truques em que são mestres os três mestres. Mas a apologia se transforma em verdadeiro apólogo, quando são as três guitarras que dialogam, dizendo coisas que não se pode transformar em palavras.
Linda a cena de Jack White construindo a mais precária (e portanto mais bela) das guitarras, com pouco mais que uma tosca peça de madeira, uma corda, amplificador, eletricidade e… uma garrafa de coca-cola como ponte. Difícil não ver aí uma referência à arte pop, e à possibilidade de que, das entranhas do consumo, venha a nascer um objeto único, irrepetível e irredutível ao desejo massificado. A guitarra, como a música, participa do universo do sagrado.
O documentário é também uma pequena e deliciosa aula de história: o experimentalismo com as potencialidades do rock inglês no cenário da liberação dos 60 e 70 (Yardbirds e Led Zeppelin), aquele minimalismo de acordes em que se condensa o grito pacifista a partir da Irlanda dos anos 80 (U2), e esse tal de rock’n’roll que reaparece com tudo na América, nesta turbulenta última década (The White Stripes, The Raconteurs).
É curioso que o mais novinho do bando seja o americano, e que seja ele também o mais disponível dos 3, ou pelo menos aquele que mais parece estar ainda experimentando poeticamente. Sigo pensando na maneira como White fala sobre o que significa tocar os objetos que produzem os sons. A textura, para ele, não é apenas a textura misteriosa da música. A textura da música passa antes pela descoberta da textura das coisas, e das vibrações que elas escondem. É pelas coisas que nos comunicamos com o além, com o sagrado.
Por último, o percurso entre a Inglaterra, a Irlanda e os Estados Unidos é uma poderosa viagem musical, como se auscultássemos um som virtual: aquilo que pode acontecer sempre que se dá esse raro encontro transatlântico, isto é, sempre que o rock das ilhas toma o navio de volta, atravessa o mar do Norte e vem reencontrar as suas velhas raízes, tornando-se, lá no fundo, o blues que ele nunca deixou de ser. Que o blues reapareça no fundo inescrutável da guitarra de um jovem branquelo de Detroit, de origem humilde e que talvez tenha aprendido a usar as mãos artisticamente estofando móveis antigos, é um desses mistérios fabulosos, que parecem acontecer de tempos em tempos. Com eles, renovamos nossa fé. And it might get loud.
2 Comments
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o teu texto está tão lindo quanto a guitarra vermelha do jack white!
andréa
Assisti finalmente! muito legal… mas acho que quem solta a frase que dá título ao filme é o the edge, pra que se faça justiça… [M]