Dos pés à cabeça

Discutindo os pés da poesia grega – onde se acentua o som, isto é, onde se coloca o pé quando se dança – um amigo me lembra que Nietzsche dizia que o poeta grego “dançava acorrentado”, porque bailava na trama da tradição, na qual ele tinha no entanto que intervir. Donde se conclui que, quanto mais atados à tradição, mais livremente dançamos…
Paradoxo divertido e bailarino este, que me fez pensar no que escreveu outro amigo, quando morreu o Saramago.
Roubo as frases do barailaique: o autor da Jangada de pedra “consegue ser frenético no encadeamento de ideias e ao mesmo tempo suave na sua forma de manifestá-las. Muito difícil captar esse seu ritmo, mas muito fácil acompanhá-lo, Saramago é um músico que torna seu leitor bailarino inconsciente.”
De fato, as vírgulas (ou a ausência delas) em Saramago, assim como a lonjura a que levam as suas frases, é todo um convite ao movimento: o corpo dança, ainda quando aparenta imobilidade. Lendo, dançamos, sem sequer lembrar que o que escutamos é o que escutou o autor, entregue que esteve a outras cadências silenciosas.
Taí. A tradição deveria chamar-se baile inconsciente. E ponto.