Crime and punishment

O que nos separa do crime? Onde, a linha que me separa da morte do Outro?
Dostoiévski a figurou da forma talvez mais assustadora: tal linha inexiste. Matar é simples, rápido e, no limite, indolor. O problema é o que vem depois, a culpa que invade o sujeito e secreta suas fúrias e seus temores. Assim se espera. Assim espero.
Que o soldado nigeriano que, há dois dias em Baga, atirou de volta ao fogo a criança que tentava fugir das chamas, tenha sentido por um momento – um momento que seja – o peso do ato, e que tenha experimentado aquela sensação que nos toma quando deixamos cair um objeto das mãos, como se ele fosse uma parte do corpo subitamente separada de nós.
E que o presidente sinta, quando justifica a alimentação forçada dos prisioneiros em Guantánamo, um estranho gosto, como se fosse sua a goela que a sonda nasogástrica invade, afrontando a greve de fome.
Que… que… que… antes da morte se possa figurar o sofrimento, e que dele nos afastemos.
É a minha oração de primeiro de maio. Num país que aliás esqueceu o primeiro de maio.

1 Comment

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Elder Ferreira
May 4, 2013 at 12:06

Me deu até vontade de ler Crime e Castigo agora…