A toa, à toa
Pensa-se à toa e escreve-se à toa. Mas o melhor que se pode pensar e escrever talvez nos venha mesmo à toa. Deveríamos confiar na gigantesca intuição de um Nietzsche, ou de um Adorno, tão diferentes, mas tão fascinados, ambos, pelo desvio, isto é, pelo sentido profundo de estar à toa. Mas também pelo paradoxo de estar alerta, quando se está à toa.
A “toa”, a propósito, é um termo náutico, que significa o cabo com que uma embarcação reboca a outra. Estamos à toa, portanto, quando somos rebocados, sem que tenhamos qualquer acesso à direção.
O Houaiss completa a história do termo com uma linda acepção nordestina: no São Francisco, “de toa” é que o se diz da navegação sem propulsão, aquela em que a embarcação se deixa levar rio abaixo.
As referências poéticas do estar “à toa”, dos barcos loucos e desviados, são tantas que nem dá vontade de começar a lista. Mas, nas ondinhas deixadas por alguns lindos textos inspirados pela morte do Saramago, não consigo esquecer o poder daquela iminência do descolamento, que é também um deslocamento profundo: a Península Ibérica que se separa da “próxima Europa”, ganhando afinal a vida que é a sua.
Longa vida aos que se descolam.
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“Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa.”
trecho do conto “Perdoando Deus” de Clarice Lispector
Lucas Bender