A sombra e a sobra

 

Que eu saiba, ainda não se escreveu um “ensaio sobre a sombra”.

Como seria tal ensaio? Qual a escrita capaz de falar daquilo que é, por definição, uma ausência? Afinal, a sombra é o resultado de uma projeção parcial de luz, porque um objeto se interpôs entre o foco e uma superfície qualquer, na qual se desenha a sombra, isto é, estampa-se o espectro do objeto.

A sombra funcionaria então como a relação fantasmal entre os objetos: quando ela existe, duas “coisas” se comunicam de forma estranha, quase sempre imprevista. No caso destas vigas que sustêm um pequeno terraço e uma balaustrada sobre o Thames, ao sul de Londres, a geometria é inesperada, porque há sempre duas sombras: a primeira, na face escura das vigas; a segunda, sobre os tijolos lamacentos, que parecem querer resistir à perfeição das retas.

Iniciado o jogo fantasmático das sombras, o convite é simples: retire-se da palavra uma letra (“m”, por exemplo), e teremos o que importa, que é a sobra. A sombra é, no fim, uma sobra.

Share your thoughts