A escrita se ouve: um grilo
Tempos atrás, os textos eram batidos à máquina. Todo o processo de “edição” era então mais demorado, porque o que se escrevia jamais se distanciava completamente do lado concreto da vida: os tipos, e a tinta sobre o papel, faziam as vezes de aríetes que rasgavam coisas, antes de rasgar o espírito do leitor. Entre a escrita e o leitor, havia algo, que hoje se substitui pelo brilho de uma tela. O que se perdeu aí?
Numa carta para Ana Candida Perez, datada de dezembro de 1976, Ana Cristina Cesar engasgava à máquina:
Você se grila de receber cartas datilografadas? Eu acho legal porque bato rápido e não tenho muito tempo de pensar, sai quase como um papo. É claro que eu estou sabendo da pouquíssima falta de inocência de uma carta. Mas os papos também não são inocentes. Meu Deus, o que eu estou falando! Tem também o lado tátil: é gostoso bater despreocupadamente, os dedos tocando, batendo, stroking. O que me inspirou sentar a esta hora e te escrever do meio deste calor foi um pensamento súbito: (aqui eu finalmente engasguei e parou o tictac ritmado) dou um espaço pra lembrar o tempo
o pensamento de que cada próxima relação fica enriquecida pela anterior, fica mais livre. (Não estou conseguindo desenvolver. É engraçado como os engasgos, por escrito, ficam muito mais grilantes e patentes do que num papo.)
Mas como tempo e espaço codificam-se na tela? Que deleite tátil toma conta de quem se exercita diante de um computador? Qual a hora de parar o tictac ritmado dos dedos tocando as teclas? Que fazer de um aparelho que soa baixo, e que esconde, ao fim, o ritmo da escrita que a máquina tornara patente?