A classe das almas
Às segundas-feiras os lixeiros passam em frente de casa recolhendo o lixo. Sempre que trabalho no meu escritório, como hoje, observo da janela a maneira displicente com que eles pegam as latas, vertem o conteúdo no caminhão e as jogam de volta, em geral sobre as plantas do jardim. A alma de classe média que mora em mim não resiste e exclama, lá de dentro: que falta de cuidado, será que eles fazem de propósito, porque é o jardim dos bacanas?
Hoje temos o Adolfo, colombiano, trabalhando no jardim. Ele veio com a parafernália toda, inclusive um rastelo, para limpar o mato.
Quando passaram os lixeiros, o Adolfo estava de costas, agachado, plantando uma mudinha, e tinha deixado o rastelo estendido sobre duas latas de lixo. Eu fiquei olhando e pensei: “será que eles vão levar o rastelo por engano, pensando que é lixo?”
O rapaz do caminhão, um negro alto, que eu sempre vejo às segundas-feiras, ao dar com o Adolfo de costas, levantou o rastelo com se fosse um cristal prestes a romper-se, depositou-o no chão e levou o lixo até o caminhão. Voltando, abaixou-se, pegou o rastelo com delicadeza, e o depositou precisamente, milimetricamente, no mesmo ponto de equilíbrio em que ele estava, suspenso entre as duas latas de lixo, agora vazias.